Levantou-se. Suas lentes homicidas focaram na gaveta da cômoda. No canto dos lábios guardava um sorriso doce do pré prazer do que estava para realizar. Retirou a arma branca da gaveta com as mãozinhas geladas e seu sorriso se abriu até esticar os lábios ao máximo, enquanto os longos cílios encostavam nas sobrancelhas com o arregalar daqueles olhões felizes e vorazes. Ela quase não se continha. A adrenalina deixara seu corpo elétrico, queria agir logo.
Súbito a expressão de euforia substitui-se pela de mais pura concentração (sem nunca deixar o brilho de entusiasmo dos olhos): ela deveria ir sorrateiramente surpreender sua caça. Saiu do quarto. O corredor era bastante estreito, pequeno, obscuro. Se alguém pudesse vê-la naquele instante enxergaria escassamente apenas o branco de sua regata e o reluzir de seus olhos inumanos. Viu a luz amarela se projetar pelas frestas da porta do banheiro. Os sons rasos que ele emitia eram combustível para a ira que a impelia. Sentiu-se forte, muito forte. Apertava com tanta força os dentes que se houvesse carne entre eles seria mutilada. Enquanto deu os poucos passos, surdos como de felinos, que faltavam para se por de frente a porta que o guardava, o cano da arma roçou lascivamente em sua coxa nua.
Com um único chute a velha porta de tranca enferrujada se escancarou e bateu estrondosamente na parede azulejada do banheiro antigo, branco encardido. Fora mais fácil do que imaginara.
Dois segundos. Foi o tempo infinito em que se olharam.
Ele teve a certeza, antes de sentir a dor excruciante que marcaria o início de seu fim, de que ela era a criatura mais linda e assustadora que já tinha visto em toda a sua vida. Um demônio vestido de anjo, ou vice-versa.
Ela estava ébria de um ódio lindo! Tão puro e genuíno que ela sentia como amor.
O som do único tiro que disparou naquela manhã mórbida ecoou nos pátios de estacionamento da vizinhança insensível, fazendo pássaros alçarem voo. Ela não queria que a bala o matasse.
Ele pendeu de dor com um grito grave quando o projétil cravou em sua rótula (ela não ouvia, estava surda de êxtase) e caiu batendo com a cabeça na janela de vidro depois que a bela perniciosa ainda lhe esbofeteou o maxilar com o revólver. Estilhaços de vidro e chuviscos de sangue enfeitaram os ladrilhos do piso. Pegou-o pelos cabelos e o arrastou até a banheira batendo-lhe brutalmente a fronte na borda. Mais carmim para a embriagar o olfato. Jogou-o de costas ao chão, respirava grotescamente expirando a cada segundo, e o montou licenciosamente. Surrava-lhe a cabeça com a arma com um vigor surreal. Era perfeito aquele momento! Nunca fora tão feliz, tão plena! Nada e tudo fazia sentido! Pela primeira vez ela sentia o amor jorrar-lhe da alma.